domingo, 20 de setembro de 2009

Sound


Havia uma garota que gostava de tocar flauta. Vivia pela flauta e pelo som dela; passava horas tocando, incansavelmente.

Um garoto resolveu brincar e roubou-a, enterrando-a no jardim de sua casa.

Durante semanas a flauta foi procurada, sem sucesso. O menino se divertia vendo o desespero e o choro da menina, que não podia comprar outro instrumento, pois era pobre.

Os dias foram se passando como um lenço ao vento, arrastados e leves. A menina se destruía, perdendo peso e perdendo alma. Um mês depois estava apática, amarela e insana. Gritava, urrava e batia. Não era si mesma e sim um clone mal feito e revoltado.

O menino se assustava: pensou em devolver a flauta, observando-a de longe; sentada na frente de casa a menina balançava o corpo, a tarde toda, como se esperasse que solenemente algo encostasse em seus pés e veria que, rolando seu amado instrumento voltada e ela voltaria a ter cor, tocando e enchendo-se de música. Obviamente, nada acontecia. Seus olhos não produziam mais lágrimas e seu corpo não produzia mais excrementos. Apenas axistia.

A flauta fora desenterrada. Humildentemente, deixada na porta da casa de sua dona, toda limpa, com um laço de fita azul. Como nova: um presente!

Ao ver seu grande amor, a menina desmaiou. O menino ficou observando os dedos flácidos, o rosto flácido, o corpo flácido, a flauta dura escorregar por entre os dedos. O baque. O silêncio num pôr-do-dol maligno. Não havia sangue e nem fluídos. Era tudo limpo.

Mas o cheiro no ar... era amargo como a dor. Penetrava-o com força. Fazia-o tremer: ele não foi até lá. A menina também não se levantou.

O tempo passou e a flauta rolou um pouco, fazendo um som que o despertou. Ouviu apenas algo agudo e belo.

Era triste. Miseravelmente triste e indefinido, cheia de notas que não combinavam, reratando uma solidão infinita, uma dor incansável, um lamento terrível. Era apenas uma música, o garoto pensou. Mas ela o consumia. Era como os olhos de uma fera indomável, hipnotizantes e tentadores, mas para onde seria arrastado, para o inferno?

Cessou e ele sentiu algo quente lhe escorrer pelos ouvidos, descendo por seu pescoço e pelo seu peito, molhando a camisa branca. De repente havia cor ali, se alastrando. Tão belo e forte!

Ficou ali admirando o vermelho que tingia se peito e barriga, esquecendo-se do corpo inerte que jazia por perto. A macha aumentava e ele também era consumido por ela, tornando-se vulnerável. Ouviu vozes. Ouviu gritos. Passos. Estavam atrapalhando, ele não conseguia se concentrar na cor. O nome da menina ecoou em sua mente.

Vermelho. Dor. Tontura. Ela.

Ah, a menina.

Tudo ficou vermelho.

2 comentários:

  1. Carol, sempre soube que vc tinha talento, mais isso foi mais que eu esperava...Menina vc escreve muito bem...Amei o blog agora vou ficar esperando por mais posts anciosamente...
    Xoxoxoxoxoxo
    by Fonseca

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