sábado, 22 de maio de 2010

Um Post Perdido



Tem vezes que na vida a gente percebe que sentir determinadas coisas não nos levam a lugar nenhum. Nem sempre um sentimento bom é bem-vindo, porque de tão bom que ele é, acaba se tornando meio venenoso. E é aí que a gente nota que estamos perdendo tempo. É fácil dizer que vale a pena perder tempo por certas coisas, mas na verdade nós só percebemos que o tempo foi perdido quando já não tem mais volta.

Ou talvez a gente perceba sim, que o presente não está valendo a pena; e é aí que é necessário decidir se você vai ficar ali, perdendo seu tempo, ou se vai fazer alguma coisa. Acredito que existem fases da nossa vida em que não conseguimos fazer nada além de sentar e observar nosso tempo ser perdido. Desculpe pela repetição.

Talvez seja mais ou menos nesses período que notamos que já não vale a pena ficar na mesma: porque não te faz bem. Se sacrificar pelo outro é um ato divino, mas deixa de ser quando outro não sabe, não percebe ou simplesmente não liga. É um esforço em vão por alguém que talvez não mereça. O problema é que é difícil perceber quando a pessoa merece ou não todo esse carinho que você dedica.

Claro que também existem alguns casos em que a gente não consegue fazer nada além de continuar ali, esmurrando a parede, chorando, insistindo em algo que não vai voltar. É o problema do ser humano. Nós somos bobos e não notamos quando realmente vale a pena parar sua vida por alguém, não importa quem seja esse alguém.

E todos vamos nos enganar, vamos confundir tudo, nos decepcionar. Mas faz parte de nós e não tem jeito de ser diferente.

Uma Língua Portuguesa


Pernas, olhos, cabelos. Língua.
Palavras escritas
Lambidas em exaustão
Ao serem trazidas
por uma alma em perdição.

Coxas, cintura, bochechas rosadas. Língua.
Estou vendo eixos
Entradas
Pintas, cheiros, mil meios
São tantas escadas
Cheias de pistas e anseios

Unhas, pele, barriga. Língua.
Queimam. Ardem e gritam
Levam meu enigma e em mim se agregam.
Transformam-me num indecente estigma
de mim mesmo.

Ah! Essa língua.
Essa forma
minha obra, sua obra
Meu pudor, nosso
Onde está?

domingo, 16 de maio de 2010

Prelúdio


O vampiro deixou o telhado e caiu no parapeito da janela do edifício sem esforço. O vento da noite tinha cessado o e um silêncio profundo abatia a rua, deixando os humanos dormirem sem saber que a verdadeira ameaça não fazia um barulho sequer.

Seus olhos esquadrinharam a janela buscando algum movimento dentro do quarto. O cheiro da humana era forte, quente e pulsante, como um perfume vindo inferno: o coração dela era mais vivo que seu amor, e mais doce que o próprio sangue. E mesmo sendo tão humana e tão quente, era, no entanto muito especial. Não possuía atividades extraordinárias, era apenas humana, normal.

Na cama ela rolava, pois não conseguia dormir. Seus olhos arregalados não viam o vampiro, e não cogitava a possibilidade se estar sendo vigiada. Tratava-se de uma garota comum que o imortal vinha observando há quase duas primaveras. Era linda e inteligente; bem sabia que humanas com tais características existiam aos montes, mas talvez fosse o sorriso dela que o prendia àquele pobre coração mortal. Infelizmente, ele não acreditava que ela pudesse sorrir ao vê-lo; sua aura sobrenatural era forte e ela se assustaria. O vampiro, antes de ser romântico, é um assassino e um caçador na noite. O instinto animal que os humanos possuem sente esse tipo de coisa. Por isso mantinha-se afasta, sendo observando, nunca como coadjuvante e nunca como personagem principal, pois Julieta sempre seria a protagonista.

“Seu coração dói ao vê-la, eu posso sentir.”

Outra alma perdida alcançou o telhado, trazendo uma voz que balançou a noite, mas que era baixa demais para ser percebida por humanos.

“Você não sente minha dor, pequena.”, a voz dele não era mais suave ou mais alta. Apenas mais sábia e experiente

“Mas sinto sua alegria, e não a possuo no momento.”

“Não se preocupe. Meu corpo e minha alma há muito se perderam. A dor nessa janela e a alegria a seu lado é o que tenho.”

“E por que a observa se te faz mal? É humana, poderá morrer logo. Posso cuidar disso.”, disse a vampira jovem, se aproximando do mestre, se segurando nas estruturas do prédio, parecendo exaltada.

“Não faça bobagens. Mais do que qualquer outra essa humana merece viver por ser pura e ter minha afeição. Não é ela quem me faz sofrer e sim minha imortalidade.”

O rosto dele era impassível, mas seus olhos eram de sofrimento. A vampira observava solene.

“Você a ama?”, perguntou, quase inaldivelmente. O mostre tinha sede, e ela há pouco se alimentara, portanto estava intensa e corada, ao contrário do homem, que, pálido como a luz, a fitava com seus olhos muito vivos.

“Amo.”

“Do mesmo jeito que me ama?”

“Não. A amo como filha no Sangue... e a amo como inalcançável. Ela não é para mim, por ser humana.”

A mais jovem, estreitou os olhos, impaciente, e colocou a mão no rosto dele.

“Eu posso dar o Abraço nela, se sentir-se incomodado em fazê-lo. Eu não me incomodo.”, disse. A mão dele encontrou a dela, acariciando-a com dedos frios.

“Não posso interromper uma vida feliz por puro egoísmo: ela não sabe da minha existência e me odiaria como seu criador. Prefiro não ter nada a ter seu ódio.”

“E eu não sei se me sentiria bem com outra pessoa conosco.”

“Anne, fique tranqüila. Ainda não é hora de trazermos alguém para nossa vida. Você ainda é jovem e possessiva. Nem seu corpo ou seu espírito são fortes o suficiente.”

“Mas o que posso faz para lhe trazer felicidade, então?”, perguntou Anne, com os olhos cheios de lágrimas de sangue. Era jovem demais, e despreparada. Seria perigosa se deixada sozinha, e o mestre sabia disso. Ela era sua responsabilidade, ela era como uma criança segurando uma faca afiada: perigo para os outros e para si mesma, com a pequena diferença de ter o corpo de uma moça jovem, e talvez isso a tornasse ainda mais vulnerável. Então ele abraçava essa menina, e a trazia para as trevas, como dele.

“Fique tranqüila e não se preocupe comigo. Meu coração está bem ainda que sofra, e não sou um romântico. Você pouco entende dos assuntos do amor; foi transformada cedo e sua paixão se restringe a mim. Quando chegar a hora, há de encontrar outro imortal a quem amará... ou mesmo um humano.”

“Eu não quero que isso aconteça, não quero te deixar.”

O Mestre tinha idade e experiência. Seus olhos eram sábios e tristes, meio fora daquele rosto jovem e branco. Seu sentimento era puro e avassalador, sempre, mas ele o escondia. Era como um bule de chá, onde grande quantidade de água ferve, mas apenas um pouco de vapor consegue sair. Ele sorriu para a jovem na sua frente e olhou para o quarto, onde Julieta dormia. Ela tinha os cabelos castanhos e rosto delicado, com cheiro de sangue bom. Anne estava com sede de novo.

“Mas vai me deixar, e serão anos... mas não se preocupe. Ainda temos muitas noites juntos.”

“Vamos. Você ainda não se alimentou e já vai amanhecer.”, disse ela, mudando de assunto propositalmente e pulando do prédio.

Seu mestre se virou e pousou no chão do quarto, para tocar na bochecha branca e cheia de vida da mulher adormecida; ela se encolheu com o toque frio de sua mão.

“Seus olhos são do castanho mais puro, meu amor...”, disse, e mergulhou na noite com sua filha.