segunda-feira, 19 de julho de 2010

Um leão a cada dia


Hoje eu tomei uma decisão um pouco drástica porém correta. A grande maioria das decisões realmente relevante em nossas vidas são assim: dolorosas e envolvem sacrifício.

Não se trata de que roupa vestir no dia seguinte ou escolher entre seu amigo e namorado; na verdade, se trata de "o que você quer pra droga do seu futuro?"

É difícil dizer o que eu quero. Eu só quero aprender a me amar, eu acho. E eu quero crescer, eu quero ter maturidade. Eu quero conseguir tomar boas lições da vida, porque só nós mesmos sabemos o quanto dói viver, e quanto é gostoso. E eu me importo tanto com as pessoas, e elas são tão filhas da puta.

Eu não sou santa, também. Sou fria em alguns pontos e quente demais em outro, sempre um excesso, nunca em equilíbrio. Qual o meu ponto ótimo? Não sei. Talvez minhas enzimas já estejam desnaturadas...

Eu sou machucada porque me importo muito, e machuco porque me importo muito. Acho que o segredo está em construir uma parede entre isso tudo. O que eu sou? Sou um tijolo dessa parede, sim, eu sou. Mas um tijolo orgulhoso e esperançoso.

Nesse caso minha decisão me fez quebrar palavras ditas e me fez ser egoísta. Muitas vezes se colocar em primeiro lugar envolve ser egoísta. Mas qual o limite entre ser altruísta e ser masoquista? Qual o limite entre ser egoísta e ter auto-estima?
Se alguém descobrir, favor entrar em contato com 0800-666.

domingo, 18 de julho de 2010

Algo como cafeína


A fumaça da bebida deixou o ambiente com cheiro de energia. Enquanto seu tom claro se misturava com o cinza da janela, o rapaz à sua frente mexia seu café com calma e olhos baixos.

O dia contava histórias de amores melancólicos, tendo sido descolorido pelo inverno e pela ausência do sol: estava agradável para ficar ou sair de casa e, sendo apreciadora de dias bonitos como aquele, decidiu sair para fotografar.

A companhia dele fora uma surpresa que lhe trouxe borboletas ao estômago e a sensação de ter se tornado extremamente pequena. Era amargo e doce ao mesmo tempo, e a deixava ligada: ele mesmo era um pouco frenético.

Sentia vontade de pegar a câmera e fotografa-lo enquanto ele fazia o açúcar derreter com mãos calmas e olhos que enquadrinhavam o ambiente, sem parar. Aqueles olhos atentos de cílios longos iriam se destacar numa p&b, pensou. De qualquer forma, não disse nada; O silêncio era constrangido e adequado, então eles deixaram que o rock e as conversas nas mesas próximas enchessem seus ouvidos.

Ela tomou um gole do seu café, sentindo o líquido amargo se misturar com sua saliva e seu ser, também um pouco amargo: era quente e escorreu pela garganta, enquanto ela gentilmente o encarava, sem ser encarada de volta. Na janela ao lado deles, um pássaro amarelo e preto bicou o vidro, chamando a atenção dos dois com um barulho agudo e oco. Sua mente treinada capturou o momento na câmera, com o apertar de um botão e rapidez.

Quando o pássaro voou para longe, os olhos dele se viraram e encararam o dela, pela primeira vez desde que estavam tomando café, junto a um sorriso. Por dentro ela sentiu o amargo e o doce se fundirem e derreterem, junto com seus lábios, que se desmancharam numa expressão boba e sorridente.

Desconsertada, comentou:

"Não ficou muito boa..."

E ele disse, ainda sorrindo:

"É claro que ficou."

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Dirty little secret


Costumava guardar para si os sonhos, e colocar os segredos num pote de vidro, fingindo se tratar de uma redoma de cristal que os protegeria. Seus desejos e sonhos eram tão pessoais e tão dela, que os guardava apenas em mente; colocar os segredos para o pote era como conversar com uma segunda ela mesma.

Escrevia o segredo de forma direta e simples, sem rodeios. Caneta porosa preta deslizando com formas bonitas sobre um papel pequeno e amarelo claro. Um desenho qualquer no final, feito com delicadeza.

Depois de escrever, ela dobrava o pedaço de papel, marcando as retas com as unhas, como quem sela uma carta, com todo cuidado do mundo. Daí para o pote: o segredo era largado e caía com leveza sobre os outros, onde se misturavam, formando o redemoinho que era sua vida.

A confissão da vez fora escrita devagar, quase em lágrimas de alegria. A caneta correu rápida, com mãos tremulas e sorrisos. Desenhou um coração e uma inicial. Hesitou alguns segundos antes de colocar o papel no pote de vidro onde ele cai, tornando-se apenas mais um.

Claro que não dentro dela. Dentro dela, aquele era o maior segredo de todos, o que mais bonito.

"Eu sinto borboletas em mim quando falo com você."

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Eu gosto de...


  1. cheiros bons
  2. tortas
  3. café com leite
  4. música
  5. gatos
  6. coisas xadrez
  7. guitarra
  8. histórias
  9. fotografia
  10. pintura
  11. poemas
  12. desenhos
  13. séries
  14. filmes
  15. jujuba
  16. tempo nublado
  17. dormir
  18. pulseiras
  19. roupas
  20. sexo
  21. escrever
  22. sol em manhãs frias
  23. abraços apertados
  24. beijo
  25. lasanha
  26. banhos bem quentes
  27. piscina
  28. montanhas
  29. mentos
  30. conquistar o que quero
  31. ajudar
  32. ele
  33. all star
  34. sorvete
  35. fotos com luzes
  36. canecas
  37. desenhar
  38. pizza
  39. laços
  40. maquiagem
  41. europa
  42. amigos
  43. pessoas incomuns
  44. vintage
  45. metrôs
  46. olhos
  47. morangos
  48. vampiros

*não é só isso, e não necessariamente nessa ordem

A mulher dos cabelos de prata


Marcelo observava solene pelo buraco da fechadura. o andar dela era o quarto, o dela o terceiro: o apartamento dela, o 402, o dele, o 301.

Todos os dias ela passava, sem fazer nenhum ruído. Nunca a tinha encontrado nas escadas, exceto às 6:35 a.m., que era quando ela saía para comprar seu café da manhã. Ela saía com passos leves de bailarina e voltava ainda mais suave, com frutas e pão.

Uma banana, duas maçãs, um pêra e cinco limões. Alguns pães de sal e rosquinhas. tudo dentro de uma bolsa colorida, ao invés das de plástico.

Sua vizinha, sem nome, ou de título desconhecido, era um mistério. O mais lindo mistério que ele já tinha visto. Os olhos eram azul escuro, a boca vermelha e fina, com sardas no rosto. Um corpo magricela e frágil. Mas o que mais brilhava nela ainda eram os cabelos de prata, que desaguavam ondulando pelas costas, sempre soltos. Eram descaradamente louros e brilhantes, refletindo a luz do sol que passava através do vidro da janela do corredor.

Os vizinhos a chamaram de Bela, mas sabiam que era apelido. Marcelo sempre soube que era, antes mesmo de confirmar: Bela não era nome para ela. O nome dela devia ser comum e sutil, que passasse despercebido.

Ela era jovem e cheia de vida: ainda assim, nunca a vira sorrir. Já a notou cantarolando com um leve sorriso nos lábios músicas que ele desconhecia, enquanto subia correndo as escadas, sem barulho.

Quando Marcelo a viu pela primeira vez, tinha ido pegar a correspondência e estava fechando a porta do apartamento. Ela passou, e tudo que ele viu foi o fulgor de seus cabelos prateados ao refletir o sol, que perdia toda sua relevância no contato com aqueles fios. Desde então, ele tomava seu café e fumava seu cigarro matinal, esperando as 6:35, quando sua vizinha dos cabelos de prata passaria com sua sacola de compras e seu semi-sorriso.

Era sua diversão particular observa-la a desejar de um modo tão puro. Queria conhecê-la: descobrir seus gostos, se era mesmo tão apegada à rotina como parecia, se gostava mais das frutas que das rosquinhas. Que origem tinha, para ter aqueles cabelos maravilhosos? Queria descobrir o cheiro dela, e aquilo que ela detestava nas pessoas do prédio. Por que era tão retraída?

Bela, ou a mulher dos cabelos sem nome, nunca deixara uma fruta cair e nunca olhara para a porta do 301. Passava direto, voltando para sua redoma de madeira, concreto e jazz. Marcelo ouvia o jazz que tocava no andar de cima, de manhã. Sempre imaginou que vinha do apartamento dela, já que o 401 era ocupado por uma viúva, que às vezes saía de casa apenas para levar o gato ao veterinário.

Ele a via passar e imaginava-a sentava numa mesa branca, tomando chá de ervas e comendo suas rosquinahs enquanto lê um romance de Jane Austen. Ela parecia o tipo de pessoa que gosta de Jane Austen, porque parecia ser doce e febril, como o próprio chá. mas não se surpreenderia se a visse lendo Nietzsche, porque seu semblante era adravelmente frio, mesmo enquanto sorria. Suas mãos com certeza eram geladas como as frutas que comia toda manhã...

Ah, a mulher dos cabelos de prata. Como Marcelo a queria, nem que fosse só para olhar, um dia todo, enquanto tragasse seus cigarros e engolisse seu café, sendo engolido lentamente para dentro daqueles fios claros como a lua e o sol.

Vá, Marcelo. Abrace-a, ajude-a a carregar seus pães de sal.

Não, ele diz para si mesmo, tragando seu cigarro e se levantando da cadeira. Era hora de ouvir jazz, John Coltrane, que vinha se arrastando, bem baixinho lá do andar de cima, de onde ele só ouvia isso, o jazz... e mais nada. Até a manhã do dia seguinte.