sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Incorrespondência


Ele deixou minhas cartas em cima da mesa. Pegou aquela mochila preta que nós compramos em São Paulo numa promoção, quando precisávamos de algo para colocar as lembranças da viagem, e que veio cheia de bugigangas que ficaram esquecidas no fundo guarda roupa de onde ele agora tirava algumas roupas, deixando pra trás alguns casacos.

Por mais que ele estivesse me deixando, enquanto eu sentava no sofá esfregando meu peito com aquela dor imensa que só molhava meus olhos e me secava por dentro, eu só conseguia pensar que estava muito frio lá fora, e que ele deveria levar ao menos um casaco.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Parágrafos suicidas


Era difícil pensar com o calor do verão. Por menos roupa que vestisse, sentia-se enfiado dentro de uma sauna com sol. A tropicalidade brasileira, tão admirada no exterior, tornou-se uma tortura para aqueles que preferem não serem picados por mosquitos e não precisar tomar seis banhos por dia.

Difícil era se concentrar no trabalho de redator de cidade pequena e coberta por minério de ferro, onde seus moradores enfadonhos não pareciam ser nem um pouco resistentes. Permaneciam forte diante a impunidade, a violência e toda a escória que via chegar às suas mãos no escritório, mas tão sensíveis que as taxas de suicídio anuais alcançavam os maiores do país.

Não que houvessem muitos lugares de onde se jogar.

Seu trabalho era cansativo e chato. Amava ser jornalista, mas preferia trabalhar com algo mais interessante ao invés de um jornal tendencioso. De dedos afiados para que as letras brilhassem no monitor da máquina antiga à sua frente, seu senso crítico era muito utilizado no trabalho. O grande problema era que, por mais que tivesse uma forte opinião própria e soubesse se expressar, odiava fazer aquelas matérias tendenciosas que eram amassadas e largadas no chão por gente que não percebia o grande erro de concordância logo na manchete.

Lhe dava até nojo, mas engolia porque o salário era razoável.

Seus sonhos eram realizados aqui e ali em compras de internet, mas não se pode comprar uma nova cidade para se morar: era preciso ter um emprego nessa nova cidade, e era óbvio que ninguém se interessaria por um bom jornalista enquanto ele se submetesse a fazer textos simplórios e cheios de intenções tendenciosas.

Se esticou na cadeira dura, puxando os braços para trás, enquanto mexia o rosto para que o mosquito que tinha pousado ali fizesse o favor de sair. Fitou com preguiça a tela branca e a barra piscando, esperando mais palavras.

"(...) espera-se que, influenciado por seus adoráveis colegas de plenário, o senhor prefeito encerre as obras de fim de mandato, que, como já foi visto por cada um de nossos cidadãos, são intervenções desnecessárias em pontos estratégicos. A rede pública municipal carece, assim como a saúde, de um enfoque que em dois anos de mandato, ainda não foi dado de forma adequada (...)"

Tão chato e repetitivo. Não era novidade para ninguém o que se via pela cidade, e ele queria algo mais. Queria não somente informar, mas partilhar com as pessoas que lessem aquilo que escrevia.

Benjamin gostava de livros e música. Via poucos filmes e quase não assistia televisão. Adoraria resenhar livros ou cd's, mas sabia que tinham milhares almejando o mesmo, então ia começando por baixo, estudara ciência política e social enquanto ainda estava na faculdade e tentava aprender o máximo possível sobre aquilo que gostava em meio a muito suco de abacaxi e caixas de amendoim torrado.

Se sentia miseravelmente grande para o lugar, limitado como uma bexiga numa caixa de vidro, que ia ficando cheia de conhecimento, ambição e criatividade, perto de explodir.

Enquanto os dias quentes de dezembro passavam, salpicadas de noites mal dormidas e iluminação natalina, Benjamin ficava cada vez mais perto de um colapso.

Daqueles que caem


Ela era uma garota que demorava anos pra aprender o que realmente machucava. Aprendeu que não poder sair num sábado a noite era só uma raiva passageira que terminava quando sua mãe fazia um almoço de domingo mais gostoso que o sorvete que tomaria no dia anterior.

Acabou decidindo que não vestir 36 não era assim tão ruim e que, no fundo, não havia tanto a perder fazendo brigadeiro. Que ia ter seu coração partido uma, duas, três vezes, e mais ainda, até que aparecesse alguém que pegaria cada um desses pedaços e os colocaria no lugar. Tudo isso era fichinha.

Demorou tanto tempo para perceber porque aprendeu sofrendo, e isso com certeza, lhe fez bem. Tornou um pouco mais sábia, embora ainda tivesse suas dúvidas.

Só nunca aprendeu a perder aqueles que ama: acaba aceitando, mas no fundo, ficava sempre aquela dor que passava por seu corpo todo e tomava forma de líquido quente e salgado, que escorria por suas bochechas pálidas. É claro que chegava uma hora em que não havia mais lágrimas e só aquela dor que a fazia retorcer por dentro e sorrir amargamente, enquanto seus olhos permaneciam secos.

Aprender na marra, significa aprender com a prática. Aprender a cair era mais ou menos isso, e ela aprendeu. Tornou-se cheia de cicatrizes, obviamente.

A sorte, é que nunca parou de chorar assistindo filmes de drama e romance.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A cidade está pegando fogo


A cidade estava pegando fogo.
As luzes se desfaziam, incinerando como brasa no vento fraco. Pontos brilhantes se tornavam gasolina, brilhando e escorrendo devagar por entre o breu que era o céu, quando o silêncio estalando parecia gritar.

Longe, olhos quase pretos observavam, de órbitas grandes e cílios curtos. Seus olhos pegavam fogo no reflexo. Uma faísca passou pelo seu rosto, sem que ele sentisse.

Quebrado. Que-bra-do. Mas inteiro. De corpo. Escorria, também, o suor escorria pelo peito que aparecia na camisa de gola em vê. Ele fungou, quase como se chorasse. Não ligaria de chorar, queria chorar, até, mas aquela imagem da cidade pegando fogo não lhe trazia emoção alguma.

Aquele rapaz era mais cheio de emoção do que você poderia pensar, é claro. Ele era um poço de amor, depressão e alegria, e ódio pelas beiradas. Um poço de tudo, um poço de todos. Um buraco que de tão cheio, não tinha fundo.

Tinha cortado os próprios cabelos pela manhã. Gostara da nova aparência, parecia mais sério. Também não ligaria de ser um pouco mais sério, mas era difícil quando se tem sorriso bonito e cabelos cacheados que caem nos olhos. Se achava bonito, mas não queria ser, apesar de ser inevitavelmente vaidoso.

Vivia assim, em inconstância.

Pensou que esqueceu seu cachorro em casa. Frodo.
Droga, Frodo.
Pensou que Frodo estava preso lá dentro.
E no calor que deveria estar fazendo, e na fumaça que entraria pelos pulmões caninos.
Droga, Frodo.
Lágrimas escorreram pelo rosto dele. Era tão tarde, e era tão difícil soluçar: elas só caíam, deixando pontos transparentes na camisa branca.
Frodo era um bom cachorro.

Suspirando largou o celular na grama, enquanto cinzas voavam a seu redor, parando em seus ombros. O visor mostrava 23:47, piscando em números grandes. Estava tão tarde, e não poderia voltar para casa. Não sabia bem para onde iria, mas se sentiu aliviado, em partes, por não precisar se preocupar com quem daria ração a Frodo.

Decidiu que seu próximo animal de estimação seria menor e mais portátil.

Levantou-se devagar, iluminado pelo óleo que queimava ao longe. Havia um cheiro estranho no ar, como se toda a borracha do mundo tivesse decidido queimar.

Bom, ninguém decide queimar, é claro. Por isso mesmo largou o celular na grama, que de repente havia começado a chamar, com um toque meio ridículo e as vibrações de sempre - não retornaria a ligação. Não havia exatamente para quem retornar qualquer ligação.

Sem ligações, era exatamente isso.

O carro acelerou na estrada, levantando as cinzas.

domingo, 21 de novembro de 2010

Noites de veraneio


Deixou o copo com gelo sobre a mesa, rondando o vidro com os dedos finos. Faltava-lhe ar, ânimo e ternura.

Gostava de auto-denominar uma pedra que sofria alterações do vento, da água e dos animais, porque gostava de dias chuvosos com vento e gostava do toque suave das mãos e corpo de uma mulher.

Havia A Mulher, é claro: branca, de cabelos até os ombros, castanhos como seus olhos grandes. De silhueta esguia e sorriso tímido, mas com a força de um leão. No entanto, ele sabia que, embora ela o abraçasse com força enquanto ele se desfazia em ressaca de dias secos e mortos, auto-destruição e agressividade, dissesse baixinho que o amava e que não o deixaria, acabava escondida no banheiro, chorando encolhida por se sentir fraca e insuficiente.

Ele ouvia tudo do quarto, enquanto fingia dormir. A verdade é que não dormia a meses, e suas olheiras se tornavam cada vez mais profundas, assim como sua amargura. A insônia era sua melhor amante.

Então ela voltava e se deitava a seu lado, cansada de tanto chorar. Passava a mão pelos cabelos sedosos dele, mas que quase não tinham mais brilho, e ficava dizendo a si mesma que viveria de amor.

Estava tão enganada.

domingo, 14 de novembro de 2010

Nunca estive tanto com 16 anos


E eu sempre me encarei como algo meio fora da idade que me encontrava, hoje me sinto tanto como mais uma das meninas de 16 anos, comuns.

E como eu queria estar lá pelos meus 25 com o fardo da independência e toda a dor de uma vida adulta... mas não tem como. Eu trocaria toda essa vida boa de mãe que cozinha pra mim e alguém pra me aconselhar a vestir um casaco antes de sair por um pouco mais de esclarecimento e maturidade.

Nunca me senti tão infantil. Eu queria tanto crescer. Queria tanto fazer parte de um outro mundo. Queria viver num lugar onde eu conseguisse me olhar no espelho e dizer com certeza se vou pra rua da direita ou da esquerda.

Não sei como se atinge esse nirvana, ou mesmo se ele pode ser alcançado. Só sei que saber da minha idade, e senti-la na flor da pele, dos ossos, dos hormônios e das lágrimas que, quando engolidas, me deixam com um olhar amargo, mas quando que escorrem pelas bochechas me deixam frágil demais. 8 ou 80.

Cansada. Cansada de ser eu mesma. Queria só mudar. Mudar de vida, de família, de corpo e talvez, pra um coração um pouco mais firme.

Preciso parar de postar textos tão pessoais aqui. Mas o problema é que estou enjoada também do meu jeito de escrever.

Acho que acabei enjoando de mim mesma.