quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A cidade está pegando fogo


A cidade estava pegando fogo.
As luzes se desfaziam, incinerando como brasa no vento fraco. Pontos brilhantes se tornavam gasolina, brilhando e escorrendo devagar por entre o breu que era o céu, quando o silêncio estalando parecia gritar.

Longe, olhos quase pretos observavam, de órbitas grandes e cílios curtos. Seus olhos pegavam fogo no reflexo. Uma faísca passou pelo seu rosto, sem que ele sentisse.

Quebrado. Que-bra-do. Mas inteiro. De corpo. Escorria, também, o suor escorria pelo peito que aparecia na camisa de gola em vê. Ele fungou, quase como se chorasse. Não ligaria de chorar, queria chorar, até, mas aquela imagem da cidade pegando fogo não lhe trazia emoção alguma.

Aquele rapaz era mais cheio de emoção do que você poderia pensar, é claro. Ele era um poço de amor, depressão e alegria, e ódio pelas beiradas. Um poço de tudo, um poço de todos. Um buraco que de tão cheio, não tinha fundo.

Tinha cortado os próprios cabelos pela manhã. Gostara da nova aparência, parecia mais sério. Também não ligaria de ser um pouco mais sério, mas era difícil quando se tem sorriso bonito e cabelos cacheados que caem nos olhos. Se achava bonito, mas não queria ser, apesar de ser inevitavelmente vaidoso.

Vivia assim, em inconstância.

Pensou que esqueceu seu cachorro em casa. Frodo.
Droga, Frodo.
Pensou que Frodo estava preso lá dentro.
E no calor que deveria estar fazendo, e na fumaça que entraria pelos pulmões caninos.
Droga, Frodo.
Lágrimas escorreram pelo rosto dele. Era tão tarde, e era tão difícil soluçar: elas só caíam, deixando pontos transparentes na camisa branca.
Frodo era um bom cachorro.

Suspirando largou o celular na grama, enquanto cinzas voavam a seu redor, parando em seus ombros. O visor mostrava 23:47, piscando em números grandes. Estava tão tarde, e não poderia voltar para casa. Não sabia bem para onde iria, mas se sentiu aliviado, em partes, por não precisar se preocupar com quem daria ração a Frodo.

Decidiu que seu próximo animal de estimação seria menor e mais portátil.

Levantou-se devagar, iluminado pelo óleo que queimava ao longe. Havia um cheiro estranho no ar, como se toda a borracha do mundo tivesse decidido queimar.

Bom, ninguém decide queimar, é claro. Por isso mesmo largou o celular na grama, que de repente havia começado a chamar, com um toque meio ridículo e as vibrações de sempre - não retornaria a ligação. Não havia exatamente para quem retornar qualquer ligação.

Sem ligações, era exatamente isso.

O carro acelerou na estrada, levantando as cinzas.

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