sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Incorrespondência


Ele deixou minhas cartas em cima da mesa. Pegou aquela mochila preta que nós compramos em São Paulo numa promoção, quando precisávamos de algo para colocar as lembranças da viagem, e que veio cheia de bugigangas que ficaram esquecidas no fundo guarda roupa de onde ele agora tirava algumas roupas, deixando pra trás alguns casacos.

Por mais que ele estivesse me deixando, enquanto eu sentava no sofá esfregando meu peito com aquela dor imensa que só molhava meus olhos e me secava por dentro, eu só conseguia pensar que estava muito frio lá fora, e que ele deveria levar ao menos um casaco.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Parágrafos suicidas


Era difícil pensar com o calor do verão. Por menos roupa que vestisse, sentia-se enfiado dentro de uma sauna com sol. A tropicalidade brasileira, tão admirada no exterior, tornou-se uma tortura para aqueles que preferem não serem picados por mosquitos e não precisar tomar seis banhos por dia.

Difícil era se concentrar no trabalho de redator de cidade pequena e coberta por minério de ferro, onde seus moradores enfadonhos não pareciam ser nem um pouco resistentes. Permaneciam forte diante a impunidade, a violência e toda a escória que via chegar às suas mãos no escritório, mas tão sensíveis que as taxas de suicídio anuais alcançavam os maiores do país.

Não que houvessem muitos lugares de onde se jogar.

Seu trabalho era cansativo e chato. Amava ser jornalista, mas preferia trabalhar com algo mais interessante ao invés de um jornal tendencioso. De dedos afiados para que as letras brilhassem no monitor da máquina antiga à sua frente, seu senso crítico era muito utilizado no trabalho. O grande problema era que, por mais que tivesse uma forte opinião própria e soubesse se expressar, odiava fazer aquelas matérias tendenciosas que eram amassadas e largadas no chão por gente que não percebia o grande erro de concordância logo na manchete.

Lhe dava até nojo, mas engolia porque o salário era razoável.

Seus sonhos eram realizados aqui e ali em compras de internet, mas não se pode comprar uma nova cidade para se morar: era preciso ter um emprego nessa nova cidade, e era óbvio que ninguém se interessaria por um bom jornalista enquanto ele se submetesse a fazer textos simplórios e cheios de intenções tendenciosas.

Se esticou na cadeira dura, puxando os braços para trás, enquanto mexia o rosto para que o mosquito que tinha pousado ali fizesse o favor de sair. Fitou com preguiça a tela branca e a barra piscando, esperando mais palavras.

"(...) espera-se que, influenciado por seus adoráveis colegas de plenário, o senhor prefeito encerre as obras de fim de mandato, que, como já foi visto por cada um de nossos cidadãos, são intervenções desnecessárias em pontos estratégicos. A rede pública municipal carece, assim como a saúde, de um enfoque que em dois anos de mandato, ainda não foi dado de forma adequada (...)"

Tão chato e repetitivo. Não era novidade para ninguém o que se via pela cidade, e ele queria algo mais. Queria não somente informar, mas partilhar com as pessoas que lessem aquilo que escrevia.

Benjamin gostava de livros e música. Via poucos filmes e quase não assistia televisão. Adoraria resenhar livros ou cd's, mas sabia que tinham milhares almejando o mesmo, então ia começando por baixo, estudara ciência política e social enquanto ainda estava na faculdade e tentava aprender o máximo possível sobre aquilo que gostava em meio a muito suco de abacaxi e caixas de amendoim torrado.

Se sentia miseravelmente grande para o lugar, limitado como uma bexiga numa caixa de vidro, que ia ficando cheia de conhecimento, ambição e criatividade, perto de explodir.

Enquanto os dias quentes de dezembro passavam, salpicadas de noites mal dormidas e iluminação natalina, Benjamin ficava cada vez mais perto de um colapso.

Daqueles que caem


Ela era uma garota que demorava anos pra aprender o que realmente machucava. Aprendeu que não poder sair num sábado a noite era só uma raiva passageira que terminava quando sua mãe fazia um almoço de domingo mais gostoso que o sorvete que tomaria no dia anterior.

Acabou decidindo que não vestir 36 não era assim tão ruim e que, no fundo, não havia tanto a perder fazendo brigadeiro. Que ia ter seu coração partido uma, duas, três vezes, e mais ainda, até que aparecesse alguém que pegaria cada um desses pedaços e os colocaria no lugar. Tudo isso era fichinha.

Demorou tanto tempo para perceber porque aprendeu sofrendo, e isso com certeza, lhe fez bem. Tornou um pouco mais sábia, embora ainda tivesse suas dúvidas.

Só nunca aprendeu a perder aqueles que ama: acaba aceitando, mas no fundo, ficava sempre aquela dor que passava por seu corpo todo e tomava forma de líquido quente e salgado, que escorria por suas bochechas pálidas. É claro que chegava uma hora em que não havia mais lágrimas e só aquela dor que a fazia retorcer por dentro e sorrir amargamente, enquanto seus olhos permaneciam secos.

Aprender na marra, significa aprender com a prática. Aprender a cair era mais ou menos isso, e ela aprendeu. Tornou-se cheia de cicatrizes, obviamente.

A sorte, é que nunca parou de chorar assistindo filmes de drama e romance.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A cidade está pegando fogo


A cidade estava pegando fogo.
As luzes se desfaziam, incinerando como brasa no vento fraco. Pontos brilhantes se tornavam gasolina, brilhando e escorrendo devagar por entre o breu que era o céu, quando o silêncio estalando parecia gritar.

Longe, olhos quase pretos observavam, de órbitas grandes e cílios curtos. Seus olhos pegavam fogo no reflexo. Uma faísca passou pelo seu rosto, sem que ele sentisse.

Quebrado. Que-bra-do. Mas inteiro. De corpo. Escorria, também, o suor escorria pelo peito que aparecia na camisa de gola em vê. Ele fungou, quase como se chorasse. Não ligaria de chorar, queria chorar, até, mas aquela imagem da cidade pegando fogo não lhe trazia emoção alguma.

Aquele rapaz era mais cheio de emoção do que você poderia pensar, é claro. Ele era um poço de amor, depressão e alegria, e ódio pelas beiradas. Um poço de tudo, um poço de todos. Um buraco que de tão cheio, não tinha fundo.

Tinha cortado os próprios cabelos pela manhã. Gostara da nova aparência, parecia mais sério. Também não ligaria de ser um pouco mais sério, mas era difícil quando se tem sorriso bonito e cabelos cacheados que caem nos olhos. Se achava bonito, mas não queria ser, apesar de ser inevitavelmente vaidoso.

Vivia assim, em inconstância.

Pensou que esqueceu seu cachorro em casa. Frodo.
Droga, Frodo.
Pensou que Frodo estava preso lá dentro.
E no calor que deveria estar fazendo, e na fumaça que entraria pelos pulmões caninos.
Droga, Frodo.
Lágrimas escorreram pelo rosto dele. Era tão tarde, e era tão difícil soluçar: elas só caíam, deixando pontos transparentes na camisa branca.
Frodo era um bom cachorro.

Suspirando largou o celular na grama, enquanto cinzas voavam a seu redor, parando em seus ombros. O visor mostrava 23:47, piscando em números grandes. Estava tão tarde, e não poderia voltar para casa. Não sabia bem para onde iria, mas se sentiu aliviado, em partes, por não precisar se preocupar com quem daria ração a Frodo.

Decidiu que seu próximo animal de estimação seria menor e mais portátil.

Levantou-se devagar, iluminado pelo óleo que queimava ao longe. Havia um cheiro estranho no ar, como se toda a borracha do mundo tivesse decidido queimar.

Bom, ninguém decide queimar, é claro. Por isso mesmo largou o celular na grama, que de repente havia começado a chamar, com um toque meio ridículo e as vibrações de sempre - não retornaria a ligação. Não havia exatamente para quem retornar qualquer ligação.

Sem ligações, era exatamente isso.

O carro acelerou na estrada, levantando as cinzas.

domingo, 21 de novembro de 2010

Noites de veraneio


Deixou o copo com gelo sobre a mesa, rondando o vidro com os dedos finos. Faltava-lhe ar, ânimo e ternura.

Gostava de auto-denominar uma pedra que sofria alterações do vento, da água e dos animais, porque gostava de dias chuvosos com vento e gostava do toque suave das mãos e corpo de uma mulher.

Havia A Mulher, é claro: branca, de cabelos até os ombros, castanhos como seus olhos grandes. De silhueta esguia e sorriso tímido, mas com a força de um leão. No entanto, ele sabia que, embora ela o abraçasse com força enquanto ele se desfazia em ressaca de dias secos e mortos, auto-destruição e agressividade, dissesse baixinho que o amava e que não o deixaria, acabava escondida no banheiro, chorando encolhida por se sentir fraca e insuficiente.

Ele ouvia tudo do quarto, enquanto fingia dormir. A verdade é que não dormia a meses, e suas olheiras se tornavam cada vez mais profundas, assim como sua amargura. A insônia era sua melhor amante.

Então ela voltava e se deitava a seu lado, cansada de tanto chorar. Passava a mão pelos cabelos sedosos dele, mas que quase não tinham mais brilho, e ficava dizendo a si mesma que viveria de amor.

Estava tão enganada.

domingo, 14 de novembro de 2010

Nunca estive tanto com 16 anos


E eu sempre me encarei como algo meio fora da idade que me encontrava, hoje me sinto tanto como mais uma das meninas de 16 anos, comuns.

E como eu queria estar lá pelos meus 25 com o fardo da independência e toda a dor de uma vida adulta... mas não tem como. Eu trocaria toda essa vida boa de mãe que cozinha pra mim e alguém pra me aconselhar a vestir um casaco antes de sair por um pouco mais de esclarecimento e maturidade.

Nunca me senti tão infantil. Eu queria tanto crescer. Queria tanto fazer parte de um outro mundo. Queria viver num lugar onde eu conseguisse me olhar no espelho e dizer com certeza se vou pra rua da direita ou da esquerda.

Não sei como se atinge esse nirvana, ou mesmo se ele pode ser alcançado. Só sei que saber da minha idade, e senti-la na flor da pele, dos ossos, dos hormônios e das lágrimas que, quando engolidas, me deixam com um olhar amargo, mas quando que escorrem pelas bochechas me deixam frágil demais. 8 ou 80.

Cansada. Cansada de ser eu mesma. Queria só mudar. Mudar de vida, de família, de corpo e talvez, pra um coração um pouco mais firme.

Preciso parar de postar textos tão pessoais aqui. Mas o problema é que estou enjoada também do meu jeito de escrever.

Acho que acabei enjoando de mim mesma.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Terça-feira de manhã


Passei as fotos diante de meus olhos, uma por uma. Mostravam cenas de seis meses atrás, de um ano. Mais de 365 dias tinham se passado, e eu já não poderia ser mais a mesma. Estava diferente: meu cabelo, minhas bochechas, meus olhos e minhas expressões agora eram mais velhas. Em apenas um ano. É claro que por dentro, minha imaginação e criatividade me lideravam para novas experiências e o esquecimento do passado, enquanto, aos poucos, ia encontrando uma nova personagem que chamaria de "Mim Mesma".

Era inevitável suspirar e lembrar de tudo aquilo. Dos risos, lágrimas e dos cliques da câmera. Com o tempo, eu acabei deixando os cliques e os risos para trás, passando só a me lembrar das lágrimas que caíram e de todos os gritos de ajuda que eu tinha engolido e sufocado. Só me lembrava do meu cansaço e das palavras que me feriram.

Claro que não era o mais saudável. Preferia muito mais lembrar das coisas boas e não ter esse sentimento ruim dentro de mim: poderia deitar toda noite com menos um peso no coração e muito mais aceitação das coisas da vida. Mas pelo menos agora, eu entendo os motivos e os porquês.

Não chamo de crescimento. Crescimento seria saber ponderar as duas coisas e não precisar selecionar todas as fotos, pressionando no teclado do computador, a tecla "Del".

As fotos sumiram da tela brilhante. Os dois rostos, o meu e o dele, iam ficando cada vez mais embaçados em minha memória. Nada mais justo, afinal, nenhum de nós éramos mais aqueles dois.

domingo, 31 de outubro de 2010

Anda tudo muito tenso



As coisas vão mudando, e eu percebo com olhos assustados. Acho que to ficando meio antiquada, meio fora de moda.

Não é uma revolta sobre gente colorida ou sobre política. É só que eu não consigo ver as coisas mudarem ao meu redor sem ficar com medo.

Eu não consigo diferenciar uma mudança natural de uma mudança ruim por algum motivo aterrorizante. Então fico em pânico, com um choro engolido na garganta e aquele olhar de "o que está acontecendo?".

Acho que tenho medo de ficar pra trás enquanto as coisas mudam, enquanto as pessoas mudam e eu permaneço aqui, com 16 anos, cabeça de sei lá quantos e esse espírito de gente cansada. Sem esse tom sábio de quem já sofreu, mas com o coração ainda meio machucado dos tombos que a gente leva por essa idade. Eu só não sou sábia e tenho medo demais.

Medo de que? Ficar sozinha, talvez. De perder. De muitas vezes, perder o que sequer me pertence, mas o maior medo ainda é de perder o que eu tenho certeza que é meu. Porque o que acontece quando a segurança se quebra é apenas isso: se quebrar junto.

E enquanto todo mundo muda nesse ritmo de fim de ano, tudo que eu sei fazer é pensar em como elas vão ficando mais diferentes e eu também, só que de um jeito meio melancólico. Queria saber o que me aflinge.

E nessa minha mania de ficar com medo, de querer me esconder, de não gostar de mim mesma, to ficando enjoada de mim. To ficando cansada de me olhar no espelho todo dia, de ouvir minhas palavras ditas sem pensar (até digitadas sem pensar) e de me ouvir reclamar e de me suportar sempre. Essa nuvem de poeira ao meu redor tem que passar, porque eu não to mais me aguentando: quero que fique tudo bem. E eu me repito isso, que vai passar, que vai ficar tudo bem, que eu vou voltar a gargalhar por nada e que é tudo normal.

Mas a pergunta é, quando?

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A mulher dos cabelos de prata - o primeiro


Marcelo parou na frente do prédio, tirando um cigarro do bolso e acendendo, enquanto se escorava na parede. Já era o sexto da manhã, e ia sendo tragado rapidamente. Tinha tentado escolher sua melhor roupa casual, sem saber que impressão realmente queria causar, e acabou se decidindo por uma camiseta do Deep Purple e seus jeans habituais. Se sentia meio adolescente assim, de forma que suas mãos suadas passavam por seu cabelo com apreensão, que cheirava a xampu e neblina matinal.

Deus, ele estava apavorado, como queria voltar para seu apartamento.

Fazia um dia nublado. Nenhum raio de sol atravessava o cobertor de nuvens acima de sua cabeça, ao que Marcelo era muito agradecido, pois não seria cegado ao ver o sol se refletir nos cabelo loiros dela; Achava que desmaiaria se visse algo assim tão de perto.

Brincava com seu isqueiro azul na mão quando ela apareceu na esquina, sem aquela porta atrapalhando a visão. Mais bonita do que nunca, mais bonita que qualquer droga de mulher.

Quase que se passava como um filme: ela, como sempre, a atriz principal, que caminhava devagar sob os grandes holofotes que eram os olhos de seu admirador, pisando leve, cantando baixo e, pasme, sorrindo. Ele derretia com o desejo de pegá-la pela mão e levá-la a seu apartamento, onde não faria nada além de mostrar-lhe seus livros e discos e observá-la incansavelmente.

A mulher dos cabelos de prata alargou um pouco seu sorriso frio, olhando para Marcelo. Ele apenas observou os fios brilhantes que desciam trançados pelos seus ombros, seios e cintura. Sem nome, ela se vestia em tons pastéis que se misturavam com o cenário monocromático da rua, sem perder seu destaque.

Alguns segundos e ela já subia as escadas sem ruído (que eram feitas de mógno escuro que já se tornavam quase algo simbólico para Marcelo), e como sempre, ela ela não derrubou seu café da manhã ou tropeçou, e ele não conseguia imaginá-la fazendo isso.

Enquanto seu coração refazia os batimentos normais, o rapaz acendeu o sétimo cigarro matinal, fechando os olhos e sorrindo, esperando que a agonia de todos os dias o atacasse: por que não falo com ela?

Só conseguia pensar na mulher dos cabelos de prata e no café que o esperava lá em cima, enquanto uma música ecoava meio distante, falando sobre esses amores que não sobem as escadas e permanecem no anonimato. Marcelo achou tudo muito bonito e poético, mas estava ocupado demais concluindo que sua vizinha tinha cheiro de baunilha.

Love will tear us apart


A grande verdade é que a maioria das escritoras começa falando de um amor. Seja um amor bom ou ruim, sofredor ou não. Começam falando do aperto no peito e de como dói esperar que o cara te olhasse ou que ele ao menos tivesse ligado no dia seguinte. Ou que ele ao menos não tivesse namorada, ou que não tivesse durado apenas aqueles 15 dias de férias.

É sempre o mesmo universo de dor, olhos brilhantes e essa paixão que acaba sempre passando.

Maior verdade ainda, é que as grandes escritoras são as que aprendem a tratar de outros assuntos com a mesma perícia que tratam as palavras de amor.



(Carol está muito bobinha esses dias.)

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Ampulheta horizontal


Ela levou suas roupas para a secadora, mecanicamente. Sua cabeça estava presa na cama do quarto, onde ele dormia.

Enquanto as calças e camisas giravam na sua frente, seu corpo girava na direção do quarto de paredes brancas e pinturas abstratas, onde um rapaz de olhos fechados e cabelos claros respirava fundo e devagar. Lá fora, a secadora zumbia, sem fazer com que ele se mexesse um centímetro sequer.

A noite tinha sido levada aos trancos e solavancos de sexo passional e olhares de ternura. É claro que para ela não era o suficiente. Sempre sentia na camisa dele um cheiro diferente que ela suspeitava ser de mulher e depois dos orgasmos seu amor sempre mantinha os olhos meio vidrados. Não, não eram suficientes as palavras doces, o carinho e aquela cara inocente ao dormir.

É claro que mantinha silêncio, mas sofria por dentro enquanto o observava e sentia o medo a corromper.

Mal sabia que não se passava de artimanhas de uma cabeça perturbada pela insegurança. O medo a deixava incapaz de se contentar com o que ele oferecia. Sempre queria mais, corpo e alma jamais seriam suficientes.

Não entendia de onde vinha o medo, mas desconfiava desde a hora em que ele aparecia, até a hora em que saia, os cheiros, gostos, reações e olhares. Sempre monitorava, instintivamente, enquanto engolia as perguntas e a deixava ser engolida por promessas de amor que não pareciam verdadeiras a seus ouvidos.

Mas eram tão verdadeiras quanto o sono que o deixava inerte na cama.

A dor a cortava em inúmeros pedacinhos todos os dias. A ansiedade, a vontade de ser suficientemente bonita, suficientemente inteligente, suficientemente mulher. E nunca se sentir apta o bastante, sempre à sombra de alguém que sequer existia.

Ela deitou na cama, bem ao lado dele, e, ainda adormecido, o rapaz colocou um braço ao redor da cintura dela. Respirando fundo, sentiu o cheiro de um perfume doce, e lágrimas banharam seus olhos.

Estava tão cega que não percebeu que aquele era seu próprio cheiro.

Tão só quanto o silêncio do sol maior


Não havia jogadores de xadrez nas praças, nem tocadores de violão com suas vozes desafinadas. Havia apenas o vento fétido que balançava as folhas das árvores caídas, já secas da estação. Era um silêncio puro que se arrastava por horas infindáveis, sendo quebrado apenas pela luz da lua e das estrelas, que anunciavam um novo começo.

Eu não me incomodava com a situação: pessoalmente, preferia ficar sozinho e sem o som daquela humanidade quase tão podre quanto o cão morto distante apenas alguns bancos de mim. Sem o som das crianças que brincam, dos velhos que jogam cartas e das lamurias de mães solteiras, me sentia em paz comigo mesmo. Conseguia pensar nos anos que passaram rápido demais, nas pessoas que disseram adeus e todo o sangue que banhara minhas mãos.

Apesar de tudo, não me sentia sujo. O calor, a monotonia e a luz do sábado a tarde me traziam a glória dos homens comuns.

Mas como já disse, tudo se esvaía, apenas com o pôr-do-sol.

sábado, 16 de outubro de 2010

Não escrevo pra cortar os pulsos


Não vejo mais graça naquilo que me enfraquece. Não vejo mais beleza nessa tristeza egoísta de revolucionário de cadeira que está descontente com o sistema. Nesses bares que passam bêbados tristes com sua mulher e seus filhos esperando-o em casa, um sonho americano perdido em meio a mentes quebradas, porque... por que mesmo? Nem ele mesmo sabe.
E nisso, só vejo uma beleza estética da fumaça de cigarro que se esvai, nas luzes que piscam, e nas olheiras.

Porque agora, eu gosto mesmo é de um sorriso.

Sem computador, quase sem vida. Porém...


Fiquei alguns meses sem computador. A Dell me enrolou bastante até que eu conseguisse enviar meu notebook pelo correio, pra assistência técnica. Memória trocada, problema resolvido! Sequer perdi meus dados.

Bom, não escondo que sou realmente viciada em internet (ou era?). Afinal não é comum uma garota conseguir ficar 15 horas na frente do pc sem fazer nada realmente útil ou que garanta algum entretenimento. Como sobrevivi? Saí bastante, estudei mais, fiz as lições de casa (quase todas, juro), li livros ótimos e assisti alguns filmes. Dormi mais cedo.

Ganhei muito com isso: algumas notas aumentaram e meu humor melhorou. Resolvi algumas situações estranhas com uma amiga. Acho que ganhei um pouco de peso também, mas começo uma dieta na segunda e estou meio que me despedindo do mundo haha. Comendo demais. Enfim.

Perdi algumas coisas também. Fiquei desatualizada das notícias, das eleições, das fofocas das interwebs. Desatualizei o blog e minhas fotos. Também fiquei longe dos amigos e colegas daqui. Senti falta de todo mundo, e meus amigos e namorado sabem o quanto eu falei da saudade que eu sinto das pessoas que eu amo tanto, mas que moram tão longe de mim. E isso foi o mais difícil desses dias.

O "isolamento" também foi bom pra pensar na vida. Muitas vezes pensar me faz mais mal do que bem, mas isso é porque eu não penso direito, eu acho (oi?). As coisas que me doíam e que agora não doem mais, ainda batem na minha porta, e sei lá viu, cada dia eu arranjo mais alguma coisa pra me perturbar.

Mas tudo bem. Tá tudo bem.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Um leão a cada dia


Hoje eu tomei uma decisão um pouco drástica porém correta. A grande maioria das decisões realmente relevante em nossas vidas são assim: dolorosas e envolvem sacrifício.

Não se trata de que roupa vestir no dia seguinte ou escolher entre seu amigo e namorado; na verdade, se trata de "o que você quer pra droga do seu futuro?"

É difícil dizer o que eu quero. Eu só quero aprender a me amar, eu acho. E eu quero crescer, eu quero ter maturidade. Eu quero conseguir tomar boas lições da vida, porque só nós mesmos sabemos o quanto dói viver, e quanto é gostoso. E eu me importo tanto com as pessoas, e elas são tão filhas da puta.

Eu não sou santa, também. Sou fria em alguns pontos e quente demais em outro, sempre um excesso, nunca em equilíbrio. Qual o meu ponto ótimo? Não sei. Talvez minhas enzimas já estejam desnaturadas...

Eu sou machucada porque me importo muito, e machuco porque me importo muito. Acho que o segredo está em construir uma parede entre isso tudo. O que eu sou? Sou um tijolo dessa parede, sim, eu sou. Mas um tijolo orgulhoso e esperançoso.

Nesse caso minha decisão me fez quebrar palavras ditas e me fez ser egoísta. Muitas vezes se colocar em primeiro lugar envolve ser egoísta. Mas qual o limite entre ser altruísta e ser masoquista? Qual o limite entre ser egoísta e ter auto-estima?
Se alguém descobrir, favor entrar em contato com 0800-666.

domingo, 18 de julho de 2010

Algo como cafeína


A fumaça da bebida deixou o ambiente com cheiro de energia. Enquanto seu tom claro se misturava com o cinza da janela, o rapaz à sua frente mexia seu café com calma e olhos baixos.

O dia contava histórias de amores melancólicos, tendo sido descolorido pelo inverno e pela ausência do sol: estava agradável para ficar ou sair de casa e, sendo apreciadora de dias bonitos como aquele, decidiu sair para fotografar.

A companhia dele fora uma surpresa que lhe trouxe borboletas ao estômago e a sensação de ter se tornado extremamente pequena. Era amargo e doce ao mesmo tempo, e a deixava ligada: ele mesmo era um pouco frenético.

Sentia vontade de pegar a câmera e fotografa-lo enquanto ele fazia o açúcar derreter com mãos calmas e olhos que enquadrinhavam o ambiente, sem parar. Aqueles olhos atentos de cílios longos iriam se destacar numa p&b, pensou. De qualquer forma, não disse nada; O silêncio era constrangido e adequado, então eles deixaram que o rock e as conversas nas mesas próximas enchessem seus ouvidos.

Ela tomou um gole do seu café, sentindo o líquido amargo se misturar com sua saliva e seu ser, também um pouco amargo: era quente e escorreu pela garganta, enquanto ela gentilmente o encarava, sem ser encarada de volta. Na janela ao lado deles, um pássaro amarelo e preto bicou o vidro, chamando a atenção dos dois com um barulho agudo e oco. Sua mente treinada capturou o momento na câmera, com o apertar de um botão e rapidez.

Quando o pássaro voou para longe, os olhos dele se viraram e encararam o dela, pela primeira vez desde que estavam tomando café, junto a um sorriso. Por dentro ela sentiu o amargo e o doce se fundirem e derreterem, junto com seus lábios, que se desmancharam numa expressão boba e sorridente.

Desconsertada, comentou:

"Não ficou muito boa..."

E ele disse, ainda sorrindo:

"É claro que ficou."

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Dirty little secret


Costumava guardar para si os sonhos, e colocar os segredos num pote de vidro, fingindo se tratar de uma redoma de cristal que os protegeria. Seus desejos e sonhos eram tão pessoais e tão dela, que os guardava apenas em mente; colocar os segredos para o pote era como conversar com uma segunda ela mesma.

Escrevia o segredo de forma direta e simples, sem rodeios. Caneta porosa preta deslizando com formas bonitas sobre um papel pequeno e amarelo claro. Um desenho qualquer no final, feito com delicadeza.

Depois de escrever, ela dobrava o pedaço de papel, marcando as retas com as unhas, como quem sela uma carta, com todo cuidado do mundo. Daí para o pote: o segredo era largado e caía com leveza sobre os outros, onde se misturavam, formando o redemoinho que era sua vida.

A confissão da vez fora escrita devagar, quase em lágrimas de alegria. A caneta correu rápida, com mãos tremulas e sorrisos. Desenhou um coração e uma inicial. Hesitou alguns segundos antes de colocar o papel no pote de vidro onde ele cai, tornando-se apenas mais um.

Claro que não dentro dela. Dentro dela, aquele era o maior segredo de todos, o que mais bonito.

"Eu sinto borboletas em mim quando falo com você."

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Eu gosto de...


  1. cheiros bons
  2. tortas
  3. café com leite
  4. música
  5. gatos
  6. coisas xadrez
  7. guitarra
  8. histórias
  9. fotografia
  10. pintura
  11. poemas
  12. desenhos
  13. séries
  14. filmes
  15. jujuba
  16. tempo nublado
  17. dormir
  18. pulseiras
  19. roupas
  20. sexo
  21. escrever
  22. sol em manhãs frias
  23. abraços apertados
  24. beijo
  25. lasanha
  26. banhos bem quentes
  27. piscina
  28. montanhas
  29. mentos
  30. conquistar o que quero
  31. ajudar
  32. ele
  33. all star
  34. sorvete
  35. fotos com luzes
  36. canecas
  37. desenhar
  38. pizza
  39. laços
  40. maquiagem
  41. europa
  42. amigos
  43. pessoas incomuns
  44. vintage
  45. metrôs
  46. olhos
  47. morangos
  48. vampiros

*não é só isso, e não necessariamente nessa ordem

A mulher dos cabelos de prata


Marcelo observava solene pelo buraco da fechadura. o andar dela era o quarto, o dela o terceiro: o apartamento dela, o 402, o dele, o 301.

Todos os dias ela passava, sem fazer nenhum ruído. Nunca a tinha encontrado nas escadas, exceto às 6:35 a.m., que era quando ela saía para comprar seu café da manhã. Ela saía com passos leves de bailarina e voltava ainda mais suave, com frutas e pão.

Uma banana, duas maçãs, um pêra e cinco limões. Alguns pães de sal e rosquinhas. tudo dentro de uma bolsa colorida, ao invés das de plástico.

Sua vizinha, sem nome, ou de título desconhecido, era um mistério. O mais lindo mistério que ele já tinha visto. Os olhos eram azul escuro, a boca vermelha e fina, com sardas no rosto. Um corpo magricela e frágil. Mas o que mais brilhava nela ainda eram os cabelos de prata, que desaguavam ondulando pelas costas, sempre soltos. Eram descaradamente louros e brilhantes, refletindo a luz do sol que passava através do vidro da janela do corredor.

Os vizinhos a chamaram de Bela, mas sabiam que era apelido. Marcelo sempre soube que era, antes mesmo de confirmar: Bela não era nome para ela. O nome dela devia ser comum e sutil, que passasse despercebido.

Ela era jovem e cheia de vida: ainda assim, nunca a vira sorrir. Já a notou cantarolando com um leve sorriso nos lábios músicas que ele desconhecia, enquanto subia correndo as escadas, sem barulho.

Quando Marcelo a viu pela primeira vez, tinha ido pegar a correspondência e estava fechando a porta do apartamento. Ela passou, e tudo que ele viu foi o fulgor de seus cabelos prateados ao refletir o sol, que perdia toda sua relevância no contato com aqueles fios. Desde então, ele tomava seu café e fumava seu cigarro matinal, esperando as 6:35, quando sua vizinha dos cabelos de prata passaria com sua sacola de compras e seu semi-sorriso.

Era sua diversão particular observa-la a desejar de um modo tão puro. Queria conhecê-la: descobrir seus gostos, se era mesmo tão apegada à rotina como parecia, se gostava mais das frutas que das rosquinhas. Que origem tinha, para ter aqueles cabelos maravilhosos? Queria descobrir o cheiro dela, e aquilo que ela detestava nas pessoas do prédio. Por que era tão retraída?

Bela, ou a mulher dos cabelos sem nome, nunca deixara uma fruta cair e nunca olhara para a porta do 301. Passava direto, voltando para sua redoma de madeira, concreto e jazz. Marcelo ouvia o jazz que tocava no andar de cima, de manhã. Sempre imaginou que vinha do apartamento dela, já que o 401 era ocupado por uma viúva, que às vezes saía de casa apenas para levar o gato ao veterinário.

Ele a via passar e imaginava-a sentava numa mesa branca, tomando chá de ervas e comendo suas rosquinahs enquanto lê um romance de Jane Austen. Ela parecia o tipo de pessoa que gosta de Jane Austen, porque parecia ser doce e febril, como o próprio chá. mas não se surpreenderia se a visse lendo Nietzsche, porque seu semblante era adravelmente frio, mesmo enquanto sorria. Suas mãos com certeza eram geladas como as frutas que comia toda manhã...

Ah, a mulher dos cabelos de prata. Como Marcelo a queria, nem que fosse só para olhar, um dia todo, enquanto tragasse seus cigarros e engolisse seu café, sendo engolido lentamente para dentro daqueles fios claros como a lua e o sol.

Vá, Marcelo. Abrace-a, ajude-a a carregar seus pães de sal.

Não, ele diz para si mesmo, tragando seu cigarro e se levantando da cadeira. Era hora de ouvir jazz, John Coltrane, que vinha se arrastando, bem baixinho lá do andar de cima, de onde ele só ouvia isso, o jazz... e mais nada. Até a manhã do dia seguinte.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Fumaça de tinta


O ar conhecido da manhã enevoada entrou pelo quarto quando abriu a janela. Trocou de roupa sem pressa, sentindo sua pele se arrepiar com o frio, ouvindo passarinhos piarem meio ao longe. Era tudo muito familiar.

O silêncio da casa não despertara junto dela, e os jeans surrados se fecharam com facilidade enquanto se aprontava para a escola: na cozinha ela engoliu um copo de suco de laranja com pressa, vestindo um casaco. A mochila estava pesada porque ela estava levando livros e cd's para mostrar para um garoto. Ele tinha os olhos profundos e castanhos mais lindos do mundo, ressaltados pelas olheiras de quem usa óculos. Não costumava sorrir, mas quando o fazia, parecia que era só com a boca. Não deixava de ser bonito, mas a deixava com vontade de alegrar aquele olhar.

Imaginou-o recebendo os livros empoeirados enquanto sorrisse, lendo a contra-capa. Seu estômago se retorceu e ela bebeu mais suco.

Sentindo-se meio ridícula, se olhou no espelho do quarto mais uma vez, ajeitando a franja na testa; um fio insistia em ficar para cima e ela o arrancou, fazendo careta e olhando pela cortina, onde o vento gelado sacudia os galhos das árvores.

Tirou de debaixo da cama um maço de cigarros e, aproveitando o silêncio e serenidade da casa, acendeu um, fumando-o junto à janela. Era de cereja, e o cheiro doce girava ao seu redor em forma de fumaça, antes de desaparecer com o vento. Sabia que ele fumava cigarros da mesma marca, só que de menta.

Perguntou-se se cereja e menta combinavam.Folheou um dos livros, com desânimo por ainda ser cedo, e encontrou um trecho circulado.

“Bom mesmo é o livro que, quando a gente acaba de ler, fica querendo ser um grande amigo do autor, para poder telefonar para ele toda vez que der vontade. Mas isso é raro de acontecer.”

Fechando-o e o guardando de volta na mochila, ela suspirou descendo as escadas mais uma vez.

Talvez combinassem, mas só se quisessem ligar depois.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Fotografando com palavras


Um dia desses pego uma câmera
eu vou tirar fotos por aí
pra guardar tudo, prender tudo
assim, como uma âncora

No final, vou juntar minhas fotos,
guardar junto de uma flor-de-lótus
colocar numa caixa e despachar
pra um endereço onde ninguém possa achar

Assim talvez
eu mostre o que realmente sou
pra qualquer um que queira me ouvir, me ver gravar amor
e me entenda de vez.

Essa pessoa vai me olhar e dizer
"é você?"
e vai me ver com olhos de quem realmente vê
conseguir me ser.

E aí, quem sabe
eu aprenda a fazer rimas melhores.

Comi e amei


A garotinha segurou o bolinho e deu a primeira mordida, quase o deixando cair com suas mãos pequenas. O nariz dela ficou coberto de creme azul, enquanto ela mordia os confeitos com vontade.

Sua mãe colocou o cabelo preto dela atrás de sua orelha, impedindo que ele caísse no cupcake, com cuidado. Os olhos verdes da menina revelavam sutilmente sua alegria: pedira pelo doce a tarde inteira e ficara correndo pela casa, enquanto sentia o cheiro de baunilha impregnar os cômodos.

A luz do sol que se punha banhava a cozinha suja de farinha. A mãe, sorrindo de leve, deu uma leve mordida em seu próprio bolinho, enquanto tirava um pouco de farinha do avental. Quando sua filha terminou de comer, ela lhe deu um copo de leite; a pequena deixou que um bigode branco se formasse, antes de abraçar a mãe e agradecer pela guloseima.

Aqueles olhos cor de árvore não a pertenciam: eram da família do pai. Lembrando-se do romance, sua mãe terminou de colocar a louça suja na pia, com certa nostalgia. Pegou uma caneca suja de chocolate quente a observou, deixando as lembranças inundarem sua mente.

Sorriu, meio abobalhada. Risos ecoaram internamente, onde se lembrava de tudo: coisas boas e ruins, entrelaçadas.

A menina voltou correndo, com um desenho e uma flor. Tratava-se de um crisântemo vermelho, arrancado do jardim do qual as duas cuidavam juntas quase todos os dias. Ela veio sorrindo, abraçou a mãe e lhe entregou a flor: a mulher a beijou no rosto, pegando o desenho de sua mão. Uma figura distorcida e colorida, com um avental dava a mão para uma menininha exageradamente pequena, que estava com o rosto torto todo sujo.

Abraçando a filha, percebeu que aquilo era suficiente. É, era mais que suficiente.

sábado, 12 de junho de 2010

Gente estranha


Descobri que gosto de gente estranha.
Pessoas que andam de um jeito diferente, ou pensam diferente. Que todo mundo considera anormal. São tão incríveis.
Me sinto tão feliz quando conheço alguém assim. Que ria alto, se vista estranho, que tenha uma opinião formada. Que goste de músicas estranhas ou que simplesmente seja viciado em pudim. Sei lá. Coisas estranhas.
Pessoas que queiram conhecer uma fazenda por causa de uma árvore. Que se importem verdadeiramente com algo, descompromissadamente, apenas por se importar.
Nerds, talvez. Nerds são adoravelmente estranhos. Eu gosto muito de nerds. É estranho que alguém olhe para as coisas e se lembre de algum jogo, mas eu acho uma gracinha.

Porque é tão chato ser normal. Eu não sou normal, não sei como é, e por serem normais, eles não devem saber que é chato.
Por que afinal, ser como a maioria é tão previsível. Por que eu me interessaria por alguém que é como todo mundo? Já tem tanta gente assim por aí...
E é como eu digo, se ser normal fosse legal, o mundo não estaria tão podre.

Pois é. Eu gosto muito de pessoas estranhas.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Divagando assuntos irrelevantes


Ligo a TV durante a tarde e sento na cama para assistir Vídeo Show, na Rede Globo. Não é um dos meus programas favoritos, mas me diverte de certa forma. Afinal, não tinha nada para fazer, e nas ocasiões de extremo ócio nos permitimos ter atividades estranhas.

Rostos conhecidos passam aqui e ali, e, leiga no assunto televisão, me sinto de certa forma perdida no meio de tantas celebridades, atores, cantores, apresentadores e gente aparentemente carismática.

De repente, ouço gritos vindos da TV. Me esforço para entender e vejo um rosto muito conhecidos entre as meninas da minha idade, e que vejo sempre nas bancas de revista pelas ruas. Um rapaz jovem, claramente mais velho que eu e, pasme, ator. Sem expressão, camisa em v, cabelo comprido, preto e bagunçado, barba por fazer. Seu nome é Fiuk. Os gritos são de suas fãs.

A equipe de reportagem do Vídeo Show o acompanha durante uma noite, numa apresentação. Nele, meninas se espremem nas grades, choram e gritam enquanto no palco o jovem faz um playback com cara de bobo alegre.

Percebe-se claramente que as músicas mais famosas são a abertura da novela Malhação, uma outra que não me recordo o nome e as regravações dos sucessos de seu pai Fábio Jr., como "Só Você". Um sucesso meio esquecido entre as senhoras de idade, Fábio Jr. é conhecido como um homem sedutor e autor do "brigadú". Sem me esforçar muito, percebo que ser bonito é a única característica marcante no cantor Fiuk. Não herdou a voz do pai, e sim, a fama de garanhão.

Eu não preciso conhecer mais músicas dele para afirmar isso. Já assisti Malhação e ele é um ator mediano, completamente sem expressão e interpreta um personagem que tem fama de ser "o mais gatinho da escola". E convenhamos, cantores de verdade não fazem playback em shows, sem discussão.

Não me surpreende a quantidade de fãs que ele possui, e nem a histeria delas. Todos os fãs costumam se emocionar ao ver o ídolo e entrarem de certa forma em pânico, gritar, chorar, espernear, etc. Mas eu afirmo, com absolutamente toda a certeza que me convém, que se trata apenas da beleza do cantor. Não são as músicas ou a presença de palco, ou a técnica vocal. Porque são músicas que, inicialmente, não são sequer da autoria de Fiuk, e, as que são, tratam-se do clássico "música-chiclete", que atende ao gosto da massa, em especial a feminina. O que as encanta é muito menos o carisma inexistente em Fiuk.

Claro que gosto não se discute. Existem pessoas que realmente só gostam de músicas-chiclete cantadas por um garoto bonitinho. Mas será que isso é mesmo gostar? Acredito que o gostar é algo que persiste, é respeito e compreensão com o ídolo. É ver as falhas; é parar e dizer "O Fiuk é bonito, mas ao vivo não canta nada e nem sabe atuar." É admitir, sem frescura. Infelizmente, não é o caso da paixão das fãs de Fiuk e outros fenômenos musicais e artísticos que surgem atualmente. São cegas: querem apenas amar e morrer pelos ídolos que muitas vezes são tão vazios de exemplos e ideais quanto uma criança de 5 anos.

Quando o padrão de beleza for meninos de moicano e bermuda de surfista, os cantores vão aparecer assim. Quando o ritmo do momento for pagode, os vocalistas das novas bandas serão pagodeiros, terão moicano e bermudas de surfistas. E as bandas antigas vão mudar aquilo que eram para seguir esse padrão. E as meninas que antes gostavam de um cara de cabelo comprido, músico, com roupas coloridas, vão amar esses pagodeiros.

Na minha cabeça, uma frase ecoa. Falta de personalidade.
O motivo? Dinheiro, fama, sucesso. Ou medo de rejeição. Todos sabem a cara que as pessoas fazem que se assume que é metaleiro ou gótico (assumindo estilos que não chegaram ao ranking de modismos). Há uma desaprovação enorme perante aquilo que a massa não admite. Nossa sociedade ainda é muito mente fechada, e é por isso, por exemplo, que o cenário musical brasileiro atual anda tão entediante. É tudo igual, a mesma coisa: os jovens não fazem um som diferente, mal dá para diferenciar uma banda da outra.

Falo de bandas e cantores porque tomei Fiuk como um exemplo dessa indústria capitalista. Mas pode-se observar isso no vestuário, nos filmes, nos lugares onde frequentamos. Eu por exemplo, odeio frequentar barzinhos, acho chato: sou taxada de boba por isso. As pessoas seguem aquilo que a massa faz, não porque gostam, mas porque se rejeitarem, serão crucificadas. São determinadas, se acostumam a gostar daquilo e criam a ilusão de que realmente gostam, quando na verdade não passa de um estranho brainwash. Ser diferente dá trabalho.

Obviamente, quando Fiuk ou Banda Hori não forem mais uma moda adolescente, algumas meninas e meninos ainda vão ter amor por ele. Mas todos sabemos que serão poucos e que, mesmo assim, não será duradouro. Os gostos mudam, porque nossas mentes mudam quando crescemos. Você não vai gostar daqui dez anos das músicas que gosta hoje, principalmente se você é fã de Fiuk agora, mas já foi fã de NxZero, Fresno e Britney Spears. Isso quer dizer que provavelmente segue esses modismos. Se você não mudar isso, vai gostar daquilo que tocar nas rádios de 2020. Se mudar, vai gostar de algo, e esse algo vai parar de tocar nas rádios, mas ainda vai haver um carinho especial dentro de você, e tudo mais. Não vou discutir o que faz um fã de verdade.

Claro que escrevo sob um desgosto pessoal: não vejo graça no Hevo84 ou nas outras bandas da moda atual. O ponto não é a qualidade musical deles, e sim aquilo que os trazem à frente de tantos outros que cantam melhor, que tocam melhor, que ralaram muito mais. É muito mais fácil contratar um estilista e um cabeleireiro e te transformar naquilo que as pessoas querem ver (não ouvir: a música é provavelmente o fator de menor importância), do que fazer um som original, que você realmente gosta, que passa alguma droga de mensagem. É o caminho mais fácil não para ter uma banda, ou ser músico, ou receber cinco estrelas na Rolling Stones: é o caminho mais fácil para ganhar dinheiro e ser assediado simplesmente porque fala de amor e é bonitinho, tornando-se apenas um ícone comercial.

sábado, 22 de maio de 2010

Um Post Perdido



Tem vezes que na vida a gente percebe que sentir determinadas coisas não nos levam a lugar nenhum. Nem sempre um sentimento bom é bem-vindo, porque de tão bom que ele é, acaba se tornando meio venenoso. E é aí que a gente nota que estamos perdendo tempo. É fácil dizer que vale a pena perder tempo por certas coisas, mas na verdade nós só percebemos que o tempo foi perdido quando já não tem mais volta.

Ou talvez a gente perceba sim, que o presente não está valendo a pena; e é aí que é necessário decidir se você vai ficar ali, perdendo seu tempo, ou se vai fazer alguma coisa. Acredito que existem fases da nossa vida em que não conseguimos fazer nada além de sentar e observar nosso tempo ser perdido. Desculpe pela repetição.

Talvez seja mais ou menos nesses período que notamos que já não vale a pena ficar na mesma: porque não te faz bem. Se sacrificar pelo outro é um ato divino, mas deixa de ser quando outro não sabe, não percebe ou simplesmente não liga. É um esforço em vão por alguém que talvez não mereça. O problema é que é difícil perceber quando a pessoa merece ou não todo esse carinho que você dedica.

Claro que também existem alguns casos em que a gente não consegue fazer nada além de continuar ali, esmurrando a parede, chorando, insistindo em algo que não vai voltar. É o problema do ser humano. Nós somos bobos e não notamos quando realmente vale a pena parar sua vida por alguém, não importa quem seja esse alguém.

E todos vamos nos enganar, vamos confundir tudo, nos decepcionar. Mas faz parte de nós e não tem jeito de ser diferente.

Uma Língua Portuguesa


Pernas, olhos, cabelos. Língua.
Palavras escritas
Lambidas em exaustão
Ao serem trazidas
por uma alma em perdição.

Coxas, cintura, bochechas rosadas. Língua.
Estou vendo eixos
Entradas
Pintas, cheiros, mil meios
São tantas escadas
Cheias de pistas e anseios

Unhas, pele, barriga. Língua.
Queimam. Ardem e gritam
Levam meu enigma e em mim se agregam.
Transformam-me num indecente estigma
de mim mesmo.

Ah! Essa língua.
Essa forma
minha obra, sua obra
Meu pudor, nosso
Onde está?

domingo, 16 de maio de 2010

Prelúdio


O vampiro deixou o telhado e caiu no parapeito da janela do edifício sem esforço. O vento da noite tinha cessado o e um silêncio profundo abatia a rua, deixando os humanos dormirem sem saber que a verdadeira ameaça não fazia um barulho sequer.

Seus olhos esquadrinharam a janela buscando algum movimento dentro do quarto. O cheiro da humana era forte, quente e pulsante, como um perfume vindo inferno: o coração dela era mais vivo que seu amor, e mais doce que o próprio sangue. E mesmo sendo tão humana e tão quente, era, no entanto muito especial. Não possuía atividades extraordinárias, era apenas humana, normal.

Na cama ela rolava, pois não conseguia dormir. Seus olhos arregalados não viam o vampiro, e não cogitava a possibilidade se estar sendo vigiada. Tratava-se de uma garota comum que o imortal vinha observando há quase duas primaveras. Era linda e inteligente; bem sabia que humanas com tais características existiam aos montes, mas talvez fosse o sorriso dela que o prendia àquele pobre coração mortal. Infelizmente, ele não acreditava que ela pudesse sorrir ao vê-lo; sua aura sobrenatural era forte e ela se assustaria. O vampiro, antes de ser romântico, é um assassino e um caçador na noite. O instinto animal que os humanos possuem sente esse tipo de coisa. Por isso mantinha-se afasta, sendo observando, nunca como coadjuvante e nunca como personagem principal, pois Julieta sempre seria a protagonista.

“Seu coração dói ao vê-la, eu posso sentir.”

Outra alma perdida alcançou o telhado, trazendo uma voz que balançou a noite, mas que era baixa demais para ser percebida por humanos.

“Você não sente minha dor, pequena.”, a voz dele não era mais suave ou mais alta. Apenas mais sábia e experiente

“Mas sinto sua alegria, e não a possuo no momento.”

“Não se preocupe. Meu corpo e minha alma há muito se perderam. A dor nessa janela e a alegria a seu lado é o que tenho.”

“E por que a observa se te faz mal? É humana, poderá morrer logo. Posso cuidar disso.”, disse a vampira jovem, se aproximando do mestre, se segurando nas estruturas do prédio, parecendo exaltada.

“Não faça bobagens. Mais do que qualquer outra essa humana merece viver por ser pura e ter minha afeição. Não é ela quem me faz sofrer e sim minha imortalidade.”

O rosto dele era impassível, mas seus olhos eram de sofrimento. A vampira observava solene.

“Você a ama?”, perguntou, quase inaldivelmente. O mostre tinha sede, e ela há pouco se alimentara, portanto estava intensa e corada, ao contrário do homem, que, pálido como a luz, a fitava com seus olhos muito vivos.

“Amo.”

“Do mesmo jeito que me ama?”

“Não. A amo como filha no Sangue... e a amo como inalcançável. Ela não é para mim, por ser humana.”

A mais jovem, estreitou os olhos, impaciente, e colocou a mão no rosto dele.

“Eu posso dar o Abraço nela, se sentir-se incomodado em fazê-lo. Eu não me incomodo.”, disse. A mão dele encontrou a dela, acariciando-a com dedos frios.

“Não posso interromper uma vida feliz por puro egoísmo: ela não sabe da minha existência e me odiaria como seu criador. Prefiro não ter nada a ter seu ódio.”

“E eu não sei se me sentiria bem com outra pessoa conosco.”

“Anne, fique tranqüila. Ainda não é hora de trazermos alguém para nossa vida. Você ainda é jovem e possessiva. Nem seu corpo ou seu espírito são fortes o suficiente.”

“Mas o que posso faz para lhe trazer felicidade, então?”, perguntou Anne, com os olhos cheios de lágrimas de sangue. Era jovem demais, e despreparada. Seria perigosa se deixada sozinha, e o mestre sabia disso. Ela era sua responsabilidade, ela era como uma criança segurando uma faca afiada: perigo para os outros e para si mesma, com a pequena diferença de ter o corpo de uma moça jovem, e talvez isso a tornasse ainda mais vulnerável. Então ele abraçava essa menina, e a trazia para as trevas, como dele.

“Fique tranqüila e não se preocupe comigo. Meu coração está bem ainda que sofra, e não sou um romântico. Você pouco entende dos assuntos do amor; foi transformada cedo e sua paixão se restringe a mim. Quando chegar a hora, há de encontrar outro imortal a quem amará... ou mesmo um humano.”

“Eu não quero que isso aconteça, não quero te deixar.”

O Mestre tinha idade e experiência. Seus olhos eram sábios e tristes, meio fora daquele rosto jovem e branco. Seu sentimento era puro e avassalador, sempre, mas ele o escondia. Era como um bule de chá, onde grande quantidade de água ferve, mas apenas um pouco de vapor consegue sair. Ele sorriu para a jovem na sua frente e olhou para o quarto, onde Julieta dormia. Ela tinha os cabelos castanhos e rosto delicado, com cheiro de sangue bom. Anne estava com sede de novo.

“Mas vai me deixar, e serão anos... mas não se preocupe. Ainda temos muitas noites juntos.”

“Vamos. Você ainda não se alimentou e já vai amanhecer.”, disse ela, mudando de assunto propositalmente e pulando do prédio.

Seu mestre se virou e pousou no chão do quarto, para tocar na bochecha branca e cheia de vida da mulher adormecida; ela se encolheu com o toque frio de sua mão.

“Seus olhos são do castanho mais puro, meu amor...”, disse, e mergulhou na noite com sua filha.