segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Ampulheta horizontal


Ela levou suas roupas para a secadora, mecanicamente. Sua cabeça estava presa na cama do quarto, onde ele dormia.

Enquanto as calças e camisas giravam na sua frente, seu corpo girava na direção do quarto de paredes brancas e pinturas abstratas, onde um rapaz de olhos fechados e cabelos claros respirava fundo e devagar. Lá fora, a secadora zumbia, sem fazer com que ele se mexesse um centímetro sequer.

A noite tinha sido levada aos trancos e solavancos de sexo passional e olhares de ternura. É claro que para ela não era o suficiente. Sempre sentia na camisa dele um cheiro diferente que ela suspeitava ser de mulher e depois dos orgasmos seu amor sempre mantinha os olhos meio vidrados. Não, não eram suficientes as palavras doces, o carinho e aquela cara inocente ao dormir.

É claro que mantinha silêncio, mas sofria por dentro enquanto o observava e sentia o medo a corromper.

Mal sabia que não se passava de artimanhas de uma cabeça perturbada pela insegurança. O medo a deixava incapaz de se contentar com o que ele oferecia. Sempre queria mais, corpo e alma jamais seriam suficientes.

Não entendia de onde vinha o medo, mas desconfiava desde a hora em que ele aparecia, até a hora em que saia, os cheiros, gostos, reações e olhares. Sempre monitorava, instintivamente, enquanto engolia as perguntas e a deixava ser engolida por promessas de amor que não pareciam verdadeiras a seus ouvidos.

Mas eram tão verdadeiras quanto o sono que o deixava inerte na cama.

A dor a cortava em inúmeros pedacinhos todos os dias. A ansiedade, a vontade de ser suficientemente bonita, suficientemente inteligente, suficientemente mulher. E nunca se sentir apta o bastante, sempre à sombra de alguém que sequer existia.

Ela deitou na cama, bem ao lado dele, e, ainda adormecido, o rapaz colocou um braço ao redor da cintura dela. Respirando fundo, sentiu o cheiro de um perfume doce, e lágrimas banharam seus olhos.

Estava tão cega que não percebeu que aquele era seu próprio cheiro.

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