sexta-feira, 18 de junho de 2010

Fumaça de tinta


O ar conhecido da manhã enevoada entrou pelo quarto quando abriu a janela. Trocou de roupa sem pressa, sentindo sua pele se arrepiar com o frio, ouvindo passarinhos piarem meio ao longe. Era tudo muito familiar.

O silêncio da casa não despertara junto dela, e os jeans surrados se fecharam com facilidade enquanto se aprontava para a escola: na cozinha ela engoliu um copo de suco de laranja com pressa, vestindo um casaco. A mochila estava pesada porque ela estava levando livros e cd's para mostrar para um garoto. Ele tinha os olhos profundos e castanhos mais lindos do mundo, ressaltados pelas olheiras de quem usa óculos. Não costumava sorrir, mas quando o fazia, parecia que era só com a boca. Não deixava de ser bonito, mas a deixava com vontade de alegrar aquele olhar.

Imaginou-o recebendo os livros empoeirados enquanto sorrisse, lendo a contra-capa. Seu estômago se retorceu e ela bebeu mais suco.

Sentindo-se meio ridícula, se olhou no espelho do quarto mais uma vez, ajeitando a franja na testa; um fio insistia em ficar para cima e ela o arrancou, fazendo careta e olhando pela cortina, onde o vento gelado sacudia os galhos das árvores.

Tirou de debaixo da cama um maço de cigarros e, aproveitando o silêncio e serenidade da casa, acendeu um, fumando-o junto à janela. Era de cereja, e o cheiro doce girava ao seu redor em forma de fumaça, antes de desaparecer com o vento. Sabia que ele fumava cigarros da mesma marca, só que de menta.

Perguntou-se se cereja e menta combinavam.Folheou um dos livros, com desânimo por ainda ser cedo, e encontrou um trecho circulado.

“Bom mesmo é o livro que, quando a gente acaba de ler, fica querendo ser um grande amigo do autor, para poder telefonar para ele toda vez que der vontade. Mas isso é raro de acontecer.”

Fechando-o e o guardando de volta na mochila, ela suspirou descendo as escadas mais uma vez.

Talvez combinassem, mas só se quisessem ligar depois.

Nenhum comentário:

Postar um comentário